Brasil é carta fora do baralho na corrida dos data centers de IA — “Fala, Ayub!”

O Brasil atrairá R$ 2 trilhões em investimentos em data center ao longo dos próximos 10 anos”. Aham. senta lá, Claude. A falta de contraponto a essa alegação feita pelo governo federal mostra que sem um diagnóstico de um problema, nos afastamos de sua real solução. Otimismo sozinho não muda as regras do jogo: o Brasil é carta fora do baralho na corrida de data centers especializados em Inteligência Artificial.

Mesmo sem uma política específica de fomento, já temos no país cerca de 154 data centers voltados para computação geral especificamente para o mercado doméstico em franco crescimento. Esse segmento caminha bem e é motivo de orgulho nacional. O que inspira atenção é de um outro tipo de data center do qual possuímos nenhum: os especializados em IA.

Podemos separar esses dois grupos de forma simples usando uma métrica: a capacidade instalada de energia em megawatts. Enquanto os de computação geral costumam estar abaixo de 100 MW, os que são especializados em IA ultrapassam com folga esse patamar. 

Data center não é um negócio do ramo de tecnologia propriamente dita e sim imobiliário

O da empresa xAI, dona do Grok e da rede social X, foi inaugurado em Memphis com 150 MW e já obteve autorização para chegar até 300 MW em 2025. Note que toda essa capacidade é voltada para um único produto de uma única empresa. A IA já se tornou famosa pelo seu alto consumo de energia e de água para seu refrigeramento.

O governo federal está otimista quanto a capacidade do Plano Nacional de Data Centers de atrair investimentos na construção dos data centers especializados em inteligência artificial. Era esse plano o que faltava para que os investidores ao verem Brazil no mapa apostassem suas fichas aqui? Para investigar o que se passa pela cabeça de um investidor do ramo na hora de tomar essa decisão, reduzamos essa análise para apenas três critérios: custo, conectividade e segurança.

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O negócio do Data Center

Data center não é um negócio do ramo de tecnologia propriamente dita e sim imobiliário, tão quanto shoppings como empresa não são do ramo alimentício ou vestuário. São os inquilinos dos data centers que colocarão seus servidores, equipamentos e softwares no espaço alugado para ligá-los à internet. E como todo negócio imobiliário, as três palavras-chave são: localização, localização e localização. Seria o Brasil uma boa localização para esses empreendimentos?

Uma boa localidade terá um bom equilíbrio desses três critérios, ocupando o baricentro desse triângulo. Noto que boa parte dos esforços do REDATA, apelido deste plano nacional, é amenizar algo também conhecido por um apelido, o custo Brasil: PIS, Cofins, IPI e imposto sobre importação sofreriam reduções no projeto. Comecemos a refletir sobre o vértice do custo.

Com impostos amenizados (mas não zerados), investiguemos o vértice da conectividade. Nesse quesito, somos padrão FIFA

Enquanto em outros países as big techs conseguem comprar 2 servidores e instalar os 2, no Brasil todo dia tem uma promoção do mundo invertido: pagamos por 2, mas levamos apenas 1. O outro fica para o tesouro nacional e estadual sob a forma de imposto: 92% do valor do produto somado ao frete, a taxa das blusinhas, que nos deixou nus de tecnologia de ponta. Tais isenções foram pensadas somente para as poucas empresas estrangeiras que aderirem ao REDATA, não para as demais empresas estrangeiras ou brasileiras e nem para o consumidor brasileiro.

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Com impostos amenizados (mas não zerados), investiguemos o vértice da conectividade. Nesse quesito, somos padrão FIFA: 19 cabos submarinos conectam Fortaleza, Salvador, Rio de Janeiro, Santos, Praia Grande e Porto Alegre aos EUA, Angola, Argentina, Colômbia, Portugal, Uruguai e Venezuela. Como se trata de uma exportação de serviços, para atender com baixa latência esses mercados estrangeiros, busca-se uma proximidade com os cabos submarinos. Isso reduz o potencial de localidades muito longe da costa brasileira, como próximo de uma de nossas grandes hidrelétricas no interior. Há aqui um dilema: com nossas dimensões continentais, talvez a boa conectividade esteja longe demais da boa fonte de energia.

O grande dilema

Esse dilema poderia ser resolvido com novos investimentos públicos em geração e distribuição de energia, mas será que os investidores confiariam num compromisso nosso em fazê-lo? Analistas apontam que a xAI, de Elon Musk, está se preparando para atingir a capacidade de 1.560 MW com capital próprio. Capacidade essa superior a de toda usina nuclear de Angra 3 (1.405 MW), projeto oficializado em 1975 e que passados 50 anos ainda não conseguimos por em funcionamento.

Não se trata de um caso isolado: cerca de metade das obras de infraestrutura e mobilidade prometidas para a Copa do Mundo de 2014 ainda não foram entregues. A assinatura de nossas autoridades num documento público prometendo expandir a oferta de energia elétrica não parece ter muito valor, gerando insegurança no investidor.

O que nos trás ao vértice da segurança, o calcanhar de Aquiles de nosso gigante adormecido. No Ceará, nosso principal hub de cabos submarinos, de um lado o poder público ameaçou a estabilidade da internet ao insistir num projeto de dessalinização de água na mesma praia em que chegam os cabos submarinos (e já falamos disso aqui no TecMundo), do outro há trechos importantes desse território onde a soberania é de um narcoestado, que impõe com uso de força o monopólio das telecomunicações na região. Atritos entre o setor privado das telecomunicações e o narcoestado também ocorrem em São Paulo, Bahia e Rio de Janeiro, três estados que dispõem de cabos submarinos. Se o narcoestado cobra impostos de operadoras de telecomunicações, qual é a chance de também cobrá-los de data centers que prometem gerar trilhões de reais em riqueza?

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Ainda nos prejuízos causados pelo poder público a essa pauta, a estranha pró-atividade da Anatel em pautar o pedágio na internet (chamada por ela de fair share) certamente afasta investimentos. No discurso do presidente da agência, as big techs são grandes usuárias das telecomunicações de forma abusiva e prejudicial, devendo elas uma espécie de pedágio para indenizar as operadoras de telecomunicações pelos supostos prejuízos causados por fazerem que elas foram contratadas pelos brasileiros a fazer: ligá-los à internet.

Tal inovação foi posta em prática em um único país, a Coreia do Sul, e resultou no aumento de tarifas, na fuga de servidores do país (como Netflix) e no encerramento das atividades da Twitch na região por não conseguirem arcar com o pedágio. Desde 2016 a Anatel vem ao noticiário falar de falsas ameaças de colapso da internet brasileira e a propor medidas urgentes para evitar o tal problema que nunca aconteceu, como o limite de franquia na banda larga fixa, mostrando que a agência costuma estar do lado oposto ao da internet e do internauta brasileiro. Antes de investirem no Brasil, já ameaçamos as big techs com tal pedágio sobre uma suposta escassez artificial da internet.

Por fim, a anulação do artigo 19 do Marco Civil da Internet pelo STF piora e muito o ambiente de negócios para o setor no Brasil. Tal artigo oferecia uma segurança importante para serviços online no país por fazer uma distinção importante: o autor de uma mensagem online é real o responsável pelas consequências jurídicas dela, não o site que a hospeda ou plataforma que a transmita. A empresa como meio da mensagem só passava a ser responsável caso descumprisse uma ordem judicial de remover o conteúdo, o que era razoável. Com a anulação do artigo 19, metaforicamente passamos a culpar a janela pela paisagem que se vê através dela, o carteiro pelo conteúdo da carta. Nessa mudança, os empreendimentos de IA passam a correr sérios riscos.

As LLMs e chatbots ainda são um ambiente de muita experimentação e com suas altas habilidades em repetir padrões, por vezes repetem o que temos de pior como humanos: discursos de ódio. Enquanto do ponto de vista da ciência da computação esse tipo de resultado é acidental, um bug a ser corrigido, sem a proteção do artigo 19 as empresas do setor de inteligência artificial e plataformas online podem ser responsabilizadas pelo discurso de suas IAs e seus usuários, tornando nosso território um ambiente inseguro para abrigar esse tipo de inovação.

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O que já colhemos?

Já colhemos hoje os frutos de todas essas sementes que plantamos. Em todo o hemisfério sul, o Google possui data centers próprios apenas no Chile e no Uruguai. Somando a população dos dois países, obtemos 23 milhões de habitantes. Somente a região metropolitana de São Paulo totaliza 21 milhões. Somos de longe o maior mercado do Google no hemisfério sul então por que a empresa não investiu em data centers próprios em nosso país? Porque não temos inspirado confiança, estabilidade e neutralidade para hospedar uma infraestrutura de uso global. Por acaso você conhece algum outro país que já tenha prendido um vice-presidente de uma big tech?

Não culpe seu colunista pelo diagnóstico tão quanto o ortopedista não deve ser culpado pela fratura

Sem correções no nosso triângulo de Custo, Conectividade e Segurança, corremos o risco dos primeiros projetos até serem construídos, mas sem grandes inquilinos ou compradores, ficarão pausados em suas fases iniciais sem avançar nas etapas de expansão dos imóveis. Embora as notícias sempre mostrem o maior e melhor número, esses investimentos são feitos na mesma medida em que as vendas são confirmadas. Ou seja, capacidade anunciada não significa capacidade realmente instalada.

Não culpe seu colunista pelo diagnóstico tão quanto o ortopedista não deve ser culpado pela fratura. É com esse raio-X e laudo que passamos a ter chance de corrigir nossa rota e passarmos a sermos competitivos num segmento que nunca fomos: o de exportação de serviços de tecnologia da informação. Hajamos com pressa e com o espírito de quem planta tâmaras, pois somente com décadas de estabilidade institucional e segurança jurídica é que teremos algum espaço nesse mercado. Até esse dia chegar, o Brasil é carta fora do baralho na corrida dos data centers de IA.

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By Elias de Mello

Sou Elias de Mello criador do canal 2beSmart busco trazer conteúdos de qualidade para meu público, com testes das mais variadas compras que faço.

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